sexta-feira, 6 de abril de 2012

Acerca da Enfermagem de hoje em dia...

Acho engraçado, a sério que acho engraçado quando temos a comunicação social a dizer que não foram mantidos os direitos fundamentais quando supostamente a polícia avança com carga para cima de manifestantes selváticos, ou quando a comunicação social dá tempo de antena a alguém que afirma que um grupo de presos faz uma manifestação "pacifica" numa prisão.

Ninguém se lembra de perguntar pelos direitos fundamentais de a quem tenha que ser mudada uma fralda com alguém do sexo oposto ali mesmo ao lado, todo urinado ou cheio de fezes, onde curtas cortinas servem tão bem como curtos cobertores, que ou tapam os pés ou tapam a cabeça (algum lado fica a descoberto).

É neste mundo de fingimento em que vivemos. Onde cada vez mais nos tiram condições de trabalho, onde tiram cada vez mais dignidade e individualidade à pessoa que recorre a um hospital, onde os cuidados muitas vezes são seguros por pontas de arames pelos Enfermeiros, e onde ninguém reconhece o papel que esta classe tem na qualidade dos cuidados de saúde.

Está na hora das nossas intervenções serem contabilizadas, se traduzirem em custos para as entidades hospitalares, porque até agora um posicionamento de uma pessoa cientificamente correcto feito na cama, uma colocação de fralda, uma colocação de um catéter endovenoso, um banho dado, a administração de uma medicação, a aspiração de secreções, a prestação de esclarecimento acerca da situação clínica dos inúmeros doentes, a avaliação de sinais vitais, a vigilância do estado neurológico de um doente, a oferta do máximo conforto numa das situações que maior desconforto podem trazer (a admissão intra-hospitalar), a experiência de alguém que dá a opção à pessoa de urinar para um urinol em pé junto a uma cama em detrimento de uma algaliação apenas porque deitado na cama a pessoa não consegue urinar, as mobilizações correctas feitas a pessoas com fracturas de coluna, o estabelecimento da dieta, dar as refeições, ou simplesmente a capacidade única que apenas o Enfermeiro tem de captar a confiança e empatia a alguém que há cinco minutos atrás era desconhecido, tudo isso é "0" para quem financia as instituições hospitalares. Somos pagos à cabeça por um preço que um dia acharam correcto e mesmo que façamos mais ou melhor, quem financia esquece tudo o que disse anteriormente. Está na altura das coisas mudarem, está na altura de termos um preço, está na altura de nos darem valor.


Podem até dizer que somos uma profissão dos limpa cús, (somos! não só, mas orgulhosamente também), mas quando esses (os que o dizem), cairem na cama de um hospital, eu quero ver por quem é que eles vão chamar para limpar o deles...

Até lá vamos lutando, vamos fazendo o melhor que podemos e da melhor maneira que sabemos, porque queremos, porque acima de tudo gostamos e não trocavamos estas dificuldades por nenhuma outra profissão do mundo.

3 comentários:

  1. Viva,

    É pertinente a análise que faz sobre direitos fundamentais, na perspectiva do doente que precisa de uma fralda. A privacidade é seguramente um dos aspectos mais descurados no dia a dia. Penso contudo, que nem todos os enfermeiros a valorizam da forma como deve ser tratada.

    Concordo que vivemos num mundo de fingimento. Mas em relação a condições de trabalho, de nada nos serve gritar aos sete ventos, dizendo que as mesmas não são respeitadas, se no dia a seguir, por exemplo, vamos ao Continente (ou Pingo Doce) e compramos um qualquer produto lá para casa, tendo por base, única e exclusivamente, o preço (made in China)!

    Quanto à contabilização das nossas intervenções, eu creio que há aqui um grande mal entendido. O valor que é pago às instituições de saúde, seja por uma cirurgia, um internamento ou um tratamento, engloba várias vertentes: gastos de material, mão-de-obra (do administrativo, do auxiliar de acção médica, do enfermeiro, do fisioterapeuta, do médico…), manutenção das infra-estruturas, etc.
    Portanto, se nos últimos anos se fizeram cortes no financiamento das instituições de saúde, que conduziram à diminuição do número de enfermeiros, foi porque os representantes da classe (enfermeiro director, sindicatos e Ordem, e no limite, cada um de nós!) não souberam contrariar essa tendência.

    Essa é a (triste) verdade!

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  2. Gostei imenso do que escreves-te e revejo-me no teu sentimento. iniciei a minha actividade como médica há pouco tempo, e tudo o que aprendi na faculdade em termos de qualidade de comunicação, de prestar cuidados, de prevenção, muito pouco se consegue fazer com verdadeira qualidade. O mínimo é sempre assegurado, mas normalmente vejo 20 doentes numa manha ou numa tarde, marcados de 15 em 15 min, e é muito dificil conseguir fazer algo com verdadeira qualidade. Tudo são números, e não saúde ou a sua definição e portanto nenhuma das profissões que estão associadas à saúde estao a ser correctamente dignificadas, ou pela ordem dos enfermeiros ou pela ordem dos médicos ou mesmo sindicatos....
    O que nos resta? Acordar todos os dias e pensar que amamos aquilo que fazemos, independentemente do que nos pagam, do que nos exigem continuamente, do que nos façam... E fazer o nosso melhor!

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  3. Permitam-me o reparo:
    Na instituiçaõ onde trabalho, que até agora não tem (ainda)sofrido muito com os cortes (só porque aparentemente onde estão criancinhas é normalmente o último sítio a mexer), chegou à pouco a moda da "classificação de doentes em horas". O que preto no branco, é uma grande treta: dá trabalho a preencher (e perde-se tempo)e na prática não conseguimos classificar nem um terço daquilo que fazemos, e nem estou a olhar para as atitudes difíceis de contabilizar, falo mesmo de intervenções como por exemplo cateterizar. Deve ser porque toda a gente sabe que enfiar um G24 na ponta do dedo mindinho do pé de um recém nascido é a coisa mais fácil do mundo, e com certeza nem 2 min demora! E isto deixa-me revoltada! (Faz com que a minha chefe, profissional devota à classe faça todos os santos dias um relatório que acrescenta à classificação a dizer em nº as intervenções que fazemos que não é possível classificar, não é que faça diferença para as administrações que só vem o nº que lhes interessa, mas mostra de alguma forma que a equipa faz muito mais do que é possível espelhar naquelas grelhas...)
    No raio das contas dos GDH´ (Grupos de Diagnósticos Homogéneos), o instrumento utilizado para financiar os Hospitais, tem vários itens que acrescem valor ao pagamento "por pessoa", e meus caros, nem um cêntimo está contabilizado em função do trabalho desenvolvido pelos enfermeiros... Deve ser porque não fazemos mesmo nada (não sei como é que continuo a chegar a casa sempre cansada, deve ser de ler o jornal e fazer ponto cruz).
    A culpa é de quem?
    Da/o bastonária/o, da Ordem, da Miquelina e do "não sei das quantas" do governo, mas nós enfermeiros "somos mais que as mães", e a cada dia que passa temos menos valor...
    É que isto é lógico, então por exemplo lá nos GDH´s temos um baby diabético, é preciso estabilizar as glicémias, controlar os efeitos secundários e ensinar os pais sobre as determinações de glicémia, alimentação, sinais de hipo e hiperglicémias, administração de insulina... Quem é que gasta tempo a desenvolver este trabalho? OS ENFERMEIROS! Quanto é que é valorizado na fórmula mágica do financiamento? ZEROOOO!

    Pronto... Desabafei...
    Desculpem qualquer coisinha=)

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